Por Claudinéia Santos Pereira OAB-GO 22.376
Advogada e sócia da Jacó Coelho Advogados. Tem MBA em Gestão Jurídica de Seguro e Resseguro pela FUNENSEG. É pós-graduada em Direito Tributário e Processo Tributário pela Faculdade Atame de Goiânia-GO e Mestranda em Direito do Agronegócio e Desenvolvimento pela UniRV.
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou a inconstitucionalidade da incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre os valores recebidos por beneficiários de planos de previdência privada aberta, do tipo VGBL e PGBL, representa um marco significativo para o Direito Tributário e Securitário. A tese fixada no Recurso Extraordinário (RE 1363013), com repercussão geral reconhecida (Tema 1214), sedimenta o entendimento de que os valores pagos aos beneficiários desses planos têm natureza contratual, não integrando o acervo hereditário do instituidor do plano.
Sob a ótica jurídica, a decisão do STF harmoniza-se com os princípios da legalidade tributária (art. 150, I, da CF/88) e da tipicidade fechada no Direito Tributário. O fato gerador do ITCMD está vinculado à transferência gratuita de bens e direitos, conforme previsto no art. 155, I, da Constituição Federal e regulado pelas legislações estaduais. Contudo, no caso dos planos VGBL e PGBL, o pagamento aos beneficiários decorre de contrato de seguro ou de adesão previdenciária, nos moldes da Lei Complementar nº 109/2001, o que afasta a natureza gratuita da transmissão.
O voto do relator, ministro Dias Toffoli, destacou que “os valores repassados aos beneficiários não decorrem da abertura da sucessão, mas sim da execução de um contrato firmado em vida pelo titular, com indicação expressa dos destinatários dos benefícios”. Trata-se, portanto, de uma relação contratual securitária, em que o beneficiário figura como credor de uma prestação autônoma, desvinculada da herança. Essa distinção é relevante não apenas do ponto de vista doutrinário, mas também para a segurança jurídica dos contribuintes.
Do ponto de vista da jurisprudência, o julgamento do STF pacifica controvérsia que vinha sendo objeto de interpretações divergentes nos tribunais estaduais. Em especial, a legislação do Estado do Rio de Janeiro (Lei nº 7.174/2015) previa expressamente a incidência do ITCMD sobre os valores devidos por instituições de previdência complementar, criando uma insegurança jurídica significativa. A declaração de inconstitucionalidade desses dispositivos corrige uma distorção tributária que violava o pacto federativo e a competência da União para legislar sobre seguros e previdência.
Não se pode perder de vista que a decisão também se alinha às diretrizes do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), que reconhecem a natureza securitária dos planos de previdência aberta. A inclusão dos beneficiários nesses contratos tem finalidade distinta da sucessão hereditária: visa garantir liquidez, proteção financeira e planejamento patrimonial, razão pela qual subordinar esses repasses ao ITCMD representaria ofensa à função social do seguro.
Ainda que o STF tenha admitido a possibilidade de o Fisco questionar casos de eventual simulação ou planejamento fiscal abusivo, essa exceção não compromete a regra geral fixada pela Corte. Trata-se de uma salvaguarda necessária contra condutas artificiais, mas que não pode ser utilizada como justificativa para tributar situações lícitas e contratualmente definidas.
Por fim, o reconhecimento da inconstitucionalidade da cobrança do ITCMD em planos VGBL e PGBL fortalece a previsibilidade jurídica e estimula o planejamento financeiro de longo prazo, sobretudo entre empresas que utilizam esses instrumentos em suas políticas de benefícios. A decisão também é coerente com os princípios da capacidade contributiva e da não-cumulatividade tributária, ao evitar a tributação em duplicidade sobre patrimônio já onerado. Representa, portanto, um importante avanço para a segurança jurídica do mercado segurador e para a proteção do planejamento patrimonial no Brasil.