Por Matheus Xavier Coelho – OAB/GO sob o nº 60.000
Sócio e Diretor de Operações da Jacó Coelho Advogados. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), com especializações em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É empreendedor e visionário, com mais de 10 anos de experiência em gestão, sendo responsável pelo desenvolvimento de projetos e inovação da JCA, além de cofundador da HeyHub e membro do Lide Goiás e da AB2L (Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs).
A advocacia, no Brasil, sempre foi cercada por um certo romantismo. Historicamente, a profissão foi vista como uma atividade essencialmente técnica e, em muitos casos, artística. Criar uma peça jurídica, desenvolver uma tese ou sustentar oralmente um direito não são apenas atos intelectuais, são verdadeiras obras do espírito.
Essa percepção, que tem raízes profundas em nossa cultura jurídica e é reforçada pelo Código de Ética da OAB, contribuiu para o afastamento da advocacia de práticas de gestão empresarial modernas. Afinal, por muito tempo, parecia inadequado falar em produtividade, eficiência ou padronização dentro de um ambiente que, para muitos, não deveria ser mercantilizado.
O problema dessa visão é que ela acaba alimentando um equívoco perigoso: o de que um escritório de advocacia não precisa funcionar como uma empresa. Como consequência, muitos advogados se concentraram exclusivamente na criação das suas teses jurídicas, negligenciando a estruturação da gestão, da operação, da cultura organizacional e da experiência do cliente.
Isso gerou um abismo entre a excelência técnica e a eficiência operacional, um abismo que hoje custa caro. Custos altos, retrabalho, baixa escalabilidade, falta de previsibilidade, equipes sobrecarregadas e clientes mal assistidos.
A boa notícia é que é possível, sim, conciliar excelência técnica com gestão de alto desempenho. E uma das formas mais eficazes de fazer isso é por meio da aplicação do Sistema Toyota de Produção (STP), também conhecido como Lean Manufacturing, Produção Enxuta ou Just-In-Time.
Esse modelo, originalmente criado para a indústria automotiva no Japão, se tornou referência mundial em eficiência, qualidade e geração de valor. Seus princípios foram consolidados por Jeffrey K. Liker no livro “O Modelo Toyota – 14 Princípios de Gestão do Maior Fabricante do Mundo” e sua essência pode, e deve, ser adaptada à realidade dos escritórios jurídicos.
Para que a aplicação do STP seja possível, é necessário que o escritório tenha uma base mínima de gestão já estruturada. Isso significa ter organização financeira, processos administrativos definidos, um modelo de gestão de pessoas e um posicionamento de marketing minimamente sólido.
Com isso, a inserção dos princípios do STP passa a ser um processo de refinamento, e não de correção estrutural. Um exemplo claro da efetividade desse modelo é a experiência que tivemos na Jacó Coelho Advogados, com a criação da área de Excelência Operacional. Essa área foi concebida com base nos fundamentos do Gemba Kaizen, abordados por Masaaki Imai em sua obra de mesmo nome, e estruturada sobre três pilares: limpeza, eliminação da muda e padronização.
A limpeza, nesse contexto, vai além da organização física. Trata-se de uma disciplina de base. Imai afirma que a prática da limpeza no ambiente de trabalho induz à autodisciplina, e que sem autodisciplina é impossível entregar produtos ou serviços com qualidade. Isso vale para qualquer organização, inclusive um escritório jurídico. A ausência de ordem se manifesta em atrasos, perda de documentos, retrabalho e queda na performance.
Em seguida, temos a eliminação da muda, ou seja, do desperdício. Muda, em japonês, significa literalmente “perda”. Trata-se de qualquer atividade que não agrega valor. E aqui vale uma reflexão importante: quantas tarefas dentro do escritório são verdadeiramente necessárias para o resultado? Operações manuais que poderiam ser automatizadas, retrabalho por falhas de comunicação, burocracia excessiva, reuniões improdutivas, deslocamentos desnecessários de arquivos ou pessoas, peças processuais reescritas do zero por falta de base ou modelo. Tudo isso é muda.
Eliminar essas perdas é, segundo Imai, a forma mais econômica de elevar a produtividade. Um exemplo simples dado por ele mostra o impacto dessa lógica: ao reposicionar uma caixa de peças em uma linha de produção, foi possível economizar quatro segundos por ação, o que, ao longo de centenas de movimentos por dia, triplicou a produtividade do operador.
A analogia com o trabalho jurídico é direta. Muitas vezes, pequenos ajustes no layout de sistema, na sequência de trabalho ou na organização dos dados geram ganhos operacionais significativos.
Por fim, a padronização. Essa talvez seja a parte que encontra mais resistência entre advogados. Há quem argumente que, por se tratar de um trabalho intelectual, não é possível padronizar. Mas a verdade é que não se trata de engessar a análise jurídica, e sim de estruturar os processos que orbitam essa análise.
A forma como se coleta documentos, como se faz o cadastro do cliente, como se estrutura uma minuta, como se delega uma demanda, como se define quem é o responsável por cada etapa, como se controla o prazo, como se entrega o feedback para o cliente, tudo isso pode e deve ser padronizado. E é justamente essa padronização que garante a consistência na entrega, a escalabilidade da operação e a redução de falhas.
Quando integramos esses pilares aos princípios do STP, como a criação de fluxos contínuos para revelar problemas, a adoção de sistemas puxados para evitar superprodução, a valorização da equipe como centro da melhoria, o uso de tecnologia a favor do ser humano, o respeito à cadeia de valor e a cultura do PDCA, o escritório passa a operar em um novo patamar.
Os processos deixam de ser dependentes de indivíduos e passam a ser sustentados por sistemas. Os times ganham clareza, autonomia e foco. Os clientes percebem mais valor e têm mais confiança. E a gestão se torna menos reativa e mais estratégica.
Aplicar o Sistema Toyota de Produção na advocacia não é industrializar o raciocínio jurídico. É criar as condições para que a excelência técnica floresça com mais consistência, menos fricção e mais impacto. É profissionalizar sem perder a essência. É dar um passo em direção ao futuro, um futuro em que escritórios são, sim, empresas, mas empresas que respeitam e valorizam a arte da advocacia.
Referências:
LIKER, Jeffrey K. O Modelo Toyota – 14 Princípios de Gestão do Maior Fabricante do Mundo. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.
IMAI, Masaaki. Gemba Kaizen: uma abordagem de bom senso à estratégia e à melhoria contínua. 2. ed. São Paulo: Elsevier, 2012.