Por Claudinéia Santos Pereira OAB-GO 22.376
Advogada sócia diretora da Jacó Coelho Advogados. Tem MBA em Gestão Jurídica de Seguro e Resseguro pela FUNENSEG. É pós-graduada em Direito Tributário e Processo Tributário pela Faculdade Atame de Goiânia-GO e Mestranda em Direito do Agronegócio e Desenvolvimento pela UniRV.
No âmbito do contrato de seguro, a delimitação do risco é o eixo central sobre o qual se estrutura toda a operação securitária. A cobertura é, por natureza, limitada. Ela existe para garantir previsibilidade ao sistema, permitindo que as seguradoras calibrem com precisão suas reservas e obrigações. Quando os limites contratuais são desconsiderados, em nome de uma equivocada ampliação interpretativa, compromete-se não apenas a estabilidade técnica das seguradoras, mas toda a lógica de funcionamento da mutualidade.
Essa estrutura se apoia em garantias fundamentais, como os princípios da boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil) e da autonomia privada (art. 421), essenciais para assegurar a higidez da equação atuarial que sustenta a atividade securitária. A cláusula de delimitação do risco, por sua vez, encontra respaldo no art. 757 do Código Civil, que prevê a obrigação da seguradora apenas em caso de ocorrência do risco expressamente contratado. Além disso, o art. 762 do mesmo diploma exclui a cobertura em casos de dolo do segurado, reforçando o caráter técnico e legal da limitação de coberturas. O excesso de relativização contratual afasta esses fundamentos, gerando insegurança jurídica e comprometendo a sustentabilidade financeira do setor.
As cláusulas de exclusão de cobertura são, portanto, instrumentos legítimos e imprescindíveis no contrato de seguro. São elas que possibilitam à seguradora calcular o prêmio com base em eventos previsíveis e mensuráveis, excluindo riscos extraordinários ou de natureza imprópria à mutualidade. A Resolução CNSP nº 384/2020, da Superintendência de Seguros Privados (Susep), reconhece expressamente a validade dessas cláusulas, desde que redigidas de forma clara e destacada, conforme o princípio do dever de informação previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC). No entanto, é fundamental frisar que tal princípio não pode ser usado como instrumento de ingerência judicial em cláusulas legítimas, especialmente quando o contrato for de adesão, mas transparente quanto aos seus limites.
A jurisprudência dos tribunais superiores têm, progressivamente, reconhecido a força normativa das cláusulas de exclusão. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que a cobertura securitária está limitada ao risco contratado, não sendo razoável imputar à seguradora a responsabilidade por eventos expressamente excluídos da apólice. A lógica contratual do seguro exige previsibilidade. A ampliação judicial da cobertura para abarcar sinistros não pactuados viola não apenas a boa-fé objetiva, mas também o princípio do equilíbrio contratual, impondo à seguradora riscos que jamais foram assumidos.
Ainda que se reconheça o caráter protetivo do CDC, o Judiciário não pode ignorar a natureza técnica e regulada da atividade securitária, tampouco desconsiderar que a mutualidade pressupõe equilíbrio atuarial. O artigo 757 do Código Civil é claro ao definir que a obrigação da seguradora limita-se “ao pagamento de determinada quantia, em caso de ocorrência do risco previsto no contrato”. Não se trata de liberalidade, mas de obrigação vinculada aos termos contratuais. Quando o contrato exclui, por exemplo, atos ilícitos dolosos do segurado (art. 762 do CC), não há margem para ampliação interpretativa. Trata-se de vedação legal, cuja função é evitar o abuso e preservar a função social do seguro.
As exclusões de cobertura, além de legítimas, são essenciais para mitigar fraudes, especialmente em segmentos de elevada exposição, como o seguro de vida, o seguro automotivo e o seguro patrimonial. Ao permitir que o contrato seja desfigurado por interpretações que ignoram as cláusulas de exclusão, compromete-se a solvência do sistema e o interesse público subjacente ao setor de seguros, que cumpre papel relevante na economia nacional.
Para as seguradoras, é imperioso manter rigor técnico na redação das cláusulas de exclusão, garantir a devida comunicação ao segurado e registrar documentalmente a ciência das condições gerais. O cumprimento estrito desses procedimentos é a chave para a eficácia jurídica das exclusões em juízo.
Por fim, defender os limites contratuais do seguro não é ato de restrição de direitos, mas de proteção à própria coletividade de segurados. O setor securitário só pode cumprir sua função econômica e social — de garantir estabilidade financeira frente a eventos danosos — se estiver amparado por um sistema de normas claras e respeitado em suas bases técnicas. As cláusulas de exclusão são, assim, instrumentos de justiça contratual e pilares de uma relação equilibrada e sustentável entre seguradora e segurado.