2 maio , 2025

Do reativo ao preventivo: a proatividade na gestão de riscos pelas seguradoras

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Por Claudinéia Santos Pereira OAB-GO 22.376

Advogada sócia diretora da Jacó Coelho Advogados. Tem MBA em Gestão Jurídica de Seguro e Resseguro pela FUNENSEG. É pós-graduada em Direito Tributário e Processo Tributário pela Faculdade Atame de Goiânia-GO e Mestranda em Direito do Agronegócio e Desenvolvimento pela UniRV.

O contrato de seguro, em sua concepção clássica, estabelece-se como mecanismo de transferência de riscos mediante pagamento de prêmio. Nesse modelo, a seguradora assume o risco previamente delimitado e, caso o sinistro ocorra, obriga-se a indenizar os prejuízos contratualmente definidos. No entanto, o avanço tecnológico e a crescente demanda por sustentabilidade atuarial têm deslocado o eixo da atuação securitária do campo exclusivamente reativo para uma postura proativa, orientada à prevenção dos riscos antes mesmo de sua concretização.

Essa mudança encontra respaldo não apenas na lógica empresarial, mas também em fundamentos jurídicos. O dever de boa-fé objetiva — previsto no artigo 422 do Código Civil — impõe condutas legais e cooperativas às partes durante toda a execução do contrato, o que inclui a adoção de práticas que possam reduzir a sinistralidade e evitar fraudes. Além disso, o artigo 765 do mesmo diploma legal assegura à seguradora a adoção de medidas destinadas à diminuição do risco, o que legitima e estimula a atuação preventiva em nome da preservação da solvência e da mutualidade do sistema securitário.

A proatividade na gestão de riscos pelas seguradoras está diretamente ligada à utilização estratégica de dados e ao monitoramento inteligente dos segurados. No Brasil, seguradoras já vêm empregando tecnologias embarcadas em veículos, sensores e ferramentas de telemetria capazes de identificar padrões de comportamento e alertar para eventuais desvios que possam configurar agravamento do risco. A depender do contrato e da autorização do segurado, informações como velocidade, frenagem, uso do cinto de segurança e horários de condução são analisadas em tempo real, permitindo à seguradora, por exemplo, emitir alertas automatizados ou sugerir mudanças de conduta. Essa atuação antecipada não apenas reduz a frequência e a severidade dos sinistros, como também fortalece a relação contratual em bases mais transparentes e eficientes.

Tais práticas se inserem no conceito de risk engineering, que alia ciência de dados à análise atuarial, permitindo às seguradoras identificar clusters de risco, formular teses preventivas e intervir de forma segmentada e técnica. Além disso, o uso de sistemas preditivos auxilia na elaboração de cláusulas mais personalizadas, prêmios mais adequados ao perfil de risco e até mesmo programas de incentivo à redução de comportamentos considerados agravantes. Do ponto de vista jurídico, isso reforça a função social do contrato de seguro e atende ao princípio da equidade na distribuição dos riscos — pilares do Sistema Nacional de Seguros Privados.

A Lei nº 15.040/2024, que estabelece o novo Marco Legal dos Seguros, reforça de maneira expressa o princípio da boa-fé nos contratos securitários, destacando a necessidade de condutas diligentes, claras e cooperativas por ambas as partes. Os artigos 13 a 16 da referida norma estabelecem obrigações voltadas à prevenção de sinistros, inclusive quanto à comunicação de agravamento relevante do risco, criando um dever ativo de conduta para o segurado e conferindo à seguradora mecanismos mais eficazes de controle contratual. O novo marco também proíbe cláusulas de extinção unilateral injustificada do contrato, consolidando a lógica da estabilidade contratual e do equilíbrio de obrigações, que é imprescindível à racionalidade do setor.

Sob a perspectiva empresarial, a adoção de medidas preventivas representa ganho operacional, redução de passivos e incremento reputacional. Para grandes empresas seguradas, por sua vez, essa postura proativa das seguradoras pode ser vista como um diferencial competitivo, especialmente quando acompanhada de programas de capacitação em segurança, auditorias técnicas e relatórios de análise de risco. Mais do que simples emissores de apólices, os seguradores passam a atuar como parceiros estratégicos na construção de ambientes mais seguros e juridicamente sustentáveis.

É certo que a transição do modelo reativo para o modelo preventivo não se opera sem desafios. Demandará investimentos em tecnologia, revisão de cláusulas contratuais, adequação às normas de proteção de dados pessoais (Lei Geral de Proteção de Dados – Lei nº 13.709/2018) e engajamento dos segurados. Ainda assim, trata-se de uma evolução natural e necessária, condizente com as exigências de um mercado cada vez mais orientado à eficiência, à previsibilidade e à gestão responsável dos riscos.

Em um cenário em que a litigiosidade é elevada e os custos operacionais são pressionados por múltiplos fatores externos, a prevenção deixa de ser uma escolha para tornar-se uma diretriz estratégica — jurídica, técnica e institucionalmente legitimada.

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