Por Claudinéia Santos Pereira OAB-GO 22.376
Advogada sócia diretora da Jacó Coelho Advogados. Tem MBA em Gestão Jurídica de Seguro e Resseguro pela FUNENSEG. É pós-graduada em Direito Tributário e Processo Tributário pela Faculdade Atame de Goiânia-GO e Mestranda em Direito do Agronegócio e Desenvolvimento pela UniRV.
Em tempos de judicialização crescente, exige-se das seguradoras mais do que bons produtos e campanhas de marketing agressivas. O verdadeiro diferencial competitivo está, muitas vezes, em um lugar menos visível: o underwriting. Uma subscrição robusta é o que separa a segurança jurídica da exposição a passivos imprevisíveis. É a partir dela que se define o risco, se precifica com assertividade e se constrói a base para uma eventual defesa em juízo.
Nos últimos anos, temos assistido a um aumento expressivo nas ações judiciais que discutem negativas de sinistros, sobretudo nos seguros de vida, prestamista e invalidez. Muitos desses litígios poderiam ter sido evitados com um processo mais criterioso de aceitação do risco. Isso porque é no momento da contratação que se define a estrutura jurídica do contrato: o que foi informado, o que foi declarado, o que foi aceito e em que condições.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem sido firme ao afirmar que a seguradora, ao deixar de exigir exames médicos ou de fazer uma análise detalhada da saúde do proponente, assume o risco pela omissão de informações. A Súmula 609 é clara ao dispor que a recusa do pagamento do seguro, sob a alegação de doença preexistente, é inválida se não houver exigência de exames médicos prévios.
Nesse contexto, a boa-fé do segurado é presumida, e à seguradora cabe o ônus de provar a má-fé. Entretanto, ao receber a proposta preenchida, com declaração de saúde, com omissão de informações relevantes para aceitação do risco, isso impacta a correta precificação do risco, com análise técnica sobre eventual aceitação pela seguradora. A jurisprudência consolidada mostra o quanto a fragilidade na subscrição pode comprometer a tese de defesa e expor a companhia a riscos não desejados.
Mais do que um processo técnico, o underwriting é uma estratégia de sustentabilidade. Em produtos de alta escala, como o seguro prestamista, a pressão por volume não pode se sobrepor à qualidade da contratação. Subscrições automáticas, com adesões simplificadas e sem avaliação de risco, são porta de entrada para demandas futuras. E nem sempre é possível recorrer à má-fé como elemento de defesa. O que não foi exigido no momento correto, dificilmente será suprido a posteriori.
Por outro lado, um processo bem estruturado, com questionários claros, coleta adequada de informações e apoio de tecnologias preditivas, permite à seguradora decidir com mais segurança. Permite, também, que eventuais negativas sejam juridicamente sustentáveis, com base no princípio da boa-fé objetiva e do dever de informação. Além disso, ajuda na precificação correta do risco, evitando sinistralidade excessiva e protegendo a carteira como um todo.
É preciso desfazer o mito de que exigir informações detalhadas afasta o consumidor. O que o segurado busca é transparência, previsibilidade e segurança. Mercados mais maduros mostram que quanto mais claro o processo de contratação, maior a confiabilidade do produto. A experiência do cliente não está apenas na facilidade da venda, mas na ausência de surpresas quando ocorre o sinistro.
A atuação jurídica consultiva, neste cenário, tem papel fundamental: apoiar as áreas técnicas na revisão de clausulados, na estruturação de questionários de saúde, na validação de modelos de adesão eletrônica e na formação de uma esteira de contratação que seja comercialmente viável, mas juridicamente segura.
O underwriting é onde tudo começa. E se ele for frágil, nada se sustenta. Para as seguradoras que desejam crescer com solidez, reduzir litígios e aumentar a previsibilidade dos resultados, olhar para a subscrição com mais atenção não é apenas uma escolha técnica, é uma decisão estratégica.