Por Matheus Xavier Coelho – OAB/GO sob o nº 60.000
Sócio e Diretor de Operações da Jacó Coelho Advogados. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), com especializações em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É empreendedor e visionário, com mais de 10 anos de experiência em gestão, sendo responsável pelo desenvolvimento de projetos e inovação. Co-fundador da HeyHub, é também membro do Lide Goiás e da AB2L (Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs).
A popularização das criptomoedas no Brasil e no mundo não apenas impactou o mercado financeiro, mas também desafiou o ordenamento jurídico a adaptar-se à nova realidade dos ativos digitais. Embora ainda não regulamentadas de forma definitiva, as criptomoedas têm sido reconhecidas pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) como bens com valor econômico e, portanto, passíveis de penhora em processos de execução.
De acordo com o art. 789 do Código de Processo Civil, o devedor responde pelas obrigações com todos os seus bens presentes e futuros. A partir desse princípio, o STJ tem reconhecido a legitimidade da penhora de criptoativos. A jurisprudência recente caminha no sentido de equiparar esses ativos digitais a outros bens de valor econômico, desde que demonstrada a titularidade e a existência de liquidez.
Um marco importante nesse entendimento é o julgamento do Recurso Especial n. 2.067.133/SP, no qual o STJ reconheceu expressamente a possibilidade de penhora de criptomoedas, consolidando a visão de que tais ativos integram o patrimônio do devedor e são aptos a satisfazer a obrigação judicial, desde que identificados e localizados.
Mesmo com a inexistência de previsão legal expressa, o Judiciário vem utilizando o princípio da efetividade da execução como respaldo para medidas como o envio de ofícios às exchanges. Tais ofícios buscam identificar e bloquear os ativos digitais, à semelhança do que ocorre com saldos bancários e investimentos tradicionais.
A consolidação da jurisprudência do STJ sobre criptomoedas tem se apoiado, entre outros fatores, na distinção conceitual entre moeda digital, moeda eletrônica e moeda virtual. As criptomoedas, embora não tenham curso legal no Brasil, são consideradas uma espécie de moeda eletrônica, inseridas no gênero dos criptoativos. Essa categoria também abrange NFTs, pontos de fidelidade e ativos vinculados a plataformas de games. Essa classificação tem sido essencial para seu reconhecimento como bens com valor econômico e, portanto, passíveis de penhora.
O princípio da menor onerosidade ao devedor, previsto no Código de Processo Civil, não tem sido interpretado como obstáculo absoluto à penhora de criptomoedas. Isso porque a sua aplicação exige a demonstração de boa-fé do devedor e da existência de outros bens que atendam à execução de forma menos onerosa, sem inviabilizar o direito do credor.
Do ponto de vista econômico e institucional, a consolidação dessa jurisprudência tende a moldar o comportamento de credores e devedores. O aumento da efetividade das execuções com base em criptoativos poderá inibir tentativas de blindagem patrimonial por meio de moedas digitais e favorecer uma atuação judicial mais compatível com a realidade tecnológica contemporânea.
Há, porém, desafios significativos para a efetivação dessas medidas: a existência de carteiras digitais off-line, a dificuldade de rastreamento e comprovação da titularidade, além da volatilidade dos criptoativos. Ainda assim, ferramentas como o CriptoJud representam um avanço, ainda que limitado, no alcance desses ativos.
Paralelamente, a Receita Federal tem se estruturado para fiscalizar as operações com criptomoedas, exigindo a declaração desses ativos no Imposto de Renda e exigindo o repasse de informações por parte das exchanges.
O tema segue em evolução, e é essencial que escritórios e departamentos jurídicos estejam atentos à jurisprudência dos tribunais superiores. A inclusão das criptomoedas no horizonte da execução judicial é um reflexo da digitalização econômica e da necessidade de interpretações sistêmicas, em consonância com a efetividade do processo e o princípio da boa-fé objetiva.
A dinâmica dos criptoativos é irreversível, e a evolução da jurisprudência é um passo essencial para garantir a eficácia das relações obrigacionais nesse novo cenário digital.