Por Lucimer Coelho – OAB/GO nº 33.001
Advogada e sócia da Jacó Coelho Advogados. Doutoranda em Ciências Jurídicas pela Universidad del Museo Social – Argentina. Especialização em Direito Público (Direito Constitucional e Direito Administrativo) pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC); MBA Gestão de Seguros e Resseguro (Executivo) pela Escola Nacional de Seguros (FUNENSEG); MBA Gestão Jurídica de Seguro e Resseguro pela FUNENSEG.
A democratização dos seguros, compreendida como o esforço institucional e mercadológico para ampliar o acesso da população à proteção securitária, tem ocupado papel importante no desenvolvimento do setor nos últimos anos. Trata-se de um movimento que transcende o discurso de inclusão para se materializar como estratégia regulatória, empresarial e jurídica. Em um país marcado por significativas desigualdades socioeconômicas, o estímulo à contratação de seguros por camadas da população historicamente desassistidas representa não apenas um imperativo de justiça social, mas também um vetor de expansão sustentável do mercado.
Um dos segmentos mais promissores nesse contexto tem sido o dos microsseguros, que ganham relevância à medida que se consolidam como instrumentos eficazes de proteção para populações de baixa renda, microempreendedores e pequenas empresas. Com características como simplicidade, preços acessíveis e contratação facilitada, esses produtos atendem a demandas específicas e contribuem para a inclusão securitária de públicos historicamente marginalizados pelo mercado tradicional. O crescimento dessa modalidade reflete não apenas um movimento de mercado, mas o avanço de uma política institucional orientada à universalização do acesso à proteção securitária.
Nesse sentido, merece destaque a recente publicação, pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), do Relatório Final do Grupo de Trabalho “Política Nacional de Acesso ao Seguro”. O documento consolida as propostas de aperfeiçoamento regulatório e de construção de uma estratégia institucional voltada à formulação dessa política. O trabalho parte da premissa de que o Sistema Financeiro Nacional deve funcionar como instrumento de inclusão social e redução das desigualdades, por meio da proteção financeira.
O grupo foi instituído pela Portaria nº 8.324/2024 e suas diretrizes se alinham aos objetivos do Plano de Regulação 2023/2024 da autarquia, segundo o qual o Sistema Nacional de Seguros Privados deve fomentar o desenvolvimento nacional equilibrado e servir ao interesse coletivo. Para as empresas, trata-se de uma oportunidade de atuar em sintonia com a agenda institucional da Susep, explorando novos nichos de mercado e desenvolvendo soluções mais acessíveis, alinhadas ao processo de transformação econômica e social do país.
Essa ampliação de acesso exige das seguradoras um reposicionamento estratégico, tanto em termos operacionais quanto jurídicos. Do ponto de vista contratual, a simplificação de cláusulas e a eliminação de barreiras informacionais passam a ser exigências centrais. O dever de informação, previsto nos artigos 6º, III, e 46 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), assume protagonismo ainda maior, impondo transparência absoluta na redação de apólices, nos limites de cobertura e nas condições de sinistro. Produtos com linguagem acessível e estrutura padronizada não apenas reduzem litígios, como ampliam a confiança da população na instituição seguradora.
Ademais, a democratização dos seguros impõe desafios de compliance, precificação e mensuração de risco. A entrada de novos perfis de segurados demanda metodologias atuariais compatíveis com realidades econômicas distintas, exigindo mecanismos de proteção contra inadimplência, sinistros massificados e fraudes. O artigo 757 do Código Civil continua a reger a obrigação securitária, mas sua aplicação passa a depender, cada vez mais, de um modelo contratual juridicamente robusto e adaptável à heterogeneidade da base de clientes.
A atuação empresarial diante dessa agenda deve ser propositiva. Investir em educação securitária, integrar canais digitais à jornada do cliente e atuar em parceria com o poder público e entidades civis são práticas recomendáveis. Para os operadores do Direito Securitário, esse novo cenário impõe um exercício contínuo de atualização normativa, interpretação sistêmica e desenvolvimento de soluções que conciliam a proteção dos segurados com a sustentabilidade das operações.
A democratização dos seguros não é apenas uma diretriz política ou uma tendência de mercado: é uma realidade regulatória em construção. E as empresas que compreendem esse movimento sob a ótica da segurança jurídica, da governança e da responsabilidade institucional estarão melhor posicionadas para crescer de forma sólida e contribuir efetivamente para a transformação do mercado brasileiro de seguros.