Julyana Masae é Sócia Advogada do escritório Jacó Coelho
A atividade financeira do Estado é um conjunto de ações desenvolvidas pelo mesmo para a obtenção de receita necessária para a realização de gastos para atendimento das necessidades públicas e, para tanto, possui nos tributos relevante instrumento de intervenção econômica, além de se tratar de sua principal fonte de arrecadação para a consecução de seus objetivos constitucionais.
Não é raro nos depararmos com as Fazendas Públicas buscando responsabilizar os sócios e administradores das sociedades pelas obrigações tributárias da pessoa jurídica, no entanto, de forma precipitada, sem respaldo no ordenamento jurídico vigente e movida unicamente por interesses arrecadatórios, fundamentando seus interesses nos artigos 124, 134 e 135 do CTN, tendo a jurisprudência muitas vezes, acolhido a pretensão fazendária, ainda que de forma equivocada.
Ao constituírem suas empresas, com base no direito societário, estas adquirem direitos de personalidade, passando a ter autonomia em relação às pessoas naturais que as compõem. Tem-se como princípio a separação do patrimônio da empresa e de seus sócios, limitando a responsabilidade dos sócios ao aporte efetuado para a formação do capital social.
Inobstante, considerando que os atos praticados pela pessoa jurídica são efetivados por pessoas naturais, muitas vezes a personalidade jurídica e “autônoma” é utilizada como meio para encobrir abusos de direito e a responsabilidade do sócio, que seria uma exceção, tem se tornado regra para as Fazendas Públicas em alguns tribunais.
Sendo assim, artigo 124 do CTN prevê a possibilidade de responsabilidade solidária dos sócios e faz menção a necessidade de interesse comum na situação que constitua o fato gerador. Por essa razão, o dispositivo legal tem sido invocado para atribuir ao sócio, indiscriminadamente, a responsabilidade pelo pagamento do tributo. Ocorre que o simples fato de ser sócio, por si só, não o torna responsável pelas dívidas fiscais da empresa.
É certo que se o sócio ou administrador agiu em conformidade com a lei e contrato social ou estatuto, em análise concomitante à situação do mercado, eventual débito tributário configura mera inadimplência e não sonegação ou infração à lei.
Tais precedentes levaram o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a editar Súmula 430, a qual determina que “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade de seu sócio-gerente”.
Também o artigo 134, vem sendo aplicado indiscriminadamente para possibilitar que o sócio possa ser responsabilizado pelos débitos da pessoa jurídica, nos casos em que há impossibilidade de cumprimento da obrigação pelo contribuinte.
Não é a simples impossibilidade de cumprimento que transfere a responsabilidade aos seus sócios, mas tão somente se estes tenham adotado conduta tendente a provocar o inadimplemento tributário.
Quanto ao encerramento das atividades de forma irregular, necessário frisar que o citado artigo limita aplicação de seu disposto apenas às sociedades de pessoas não podendo atingir sociedade de capital, como no caso as sociedades anônimas – S/A.
Assim sendo, a responsabilidade pelo débito tributário somente pode ser atribuída aos sócios se comprovados que os mesmos foram decorrentes de atos praticados com excesso de poder, em infração à lei ou contrato social ou a seu estatuto, quando seus atos, extrapolem ou fiquem aquém daqueles expressos no instrumento constitutivo da sociedade.
Embora as situações que ensejam a responsabilidade dos sócios estejam expressas em nossa legislação, a Fazenda Pública, com o aval de muitos magistrados, vem buscando ampliar as situações, com a finalidade de generalizar a responsabilidade dos sócios, buscando assim maior efetividade nas arrecadações, em verdadeira afronta aos princípios norteadores do direto tributário.
Apesar do cuidado de nossos legisladores quando da promulgação das leis denota-se que, ano após ano, há sucessivas tentativas dos entes tributantes em afrontar direitos dos contribuintes com o único e exclusivo fito de elevar sua arrecadação, esquecendo-se que o aumento da carga fiscal imposta à sociedade desestimula empresários, retira dos setores produtivos nacionais importantes recursos que poderiam gerar novos investimentos, maior consumo, maior oferta de empregos e, consequentemente, maior desenvolvimento econômico e social.
Verificada a amplitude dos impactos sociais e econômicos causados pela interpretação extensiva da lei, é notório que sua aplicação não pode ser realizada de maneira desregrada, mas sim objetivando estabelecer a segurança jurídica e em defesa do contribuinte.