Naisy Carvalhais Bernardino é sócia da Jacó Coelho Advogados Associados
OAB/GO 33.835
Com a finalidade de regulamentar as relações de uso ou posse temporária do imóvel rural para implementação de atividade agrícola surgiram os denominados contratos agrários, podendo tais contratos serem classificados como típicos ou atípicos.
Os contratos agrários são acordos de vontade entre as partes, que têm como finalidade a aquisição, a modificação ou a extinção de direito relativos à exploração do Imóvel Rural ou parte dele.
As regras específicas dos contratos agrários estão previstas no Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/64), na Lei 4.947/66 e no Decreto Lei n. 59.566/66 que regulamenta o Estatuto da Terra. Vale ressaltar que o Código Civil de 2002 nada disse sobre os contratos agrários, devido às legislações específicas que regulamentam o tema.
Os contratos agrários possuem algumas características importantes na sua configuração. São consensuais, uma vez que advêm de um acordo de vontades e são aperfeiçoados com a integração das declarações de vontade das partes. São bilaterais, já que as obrigações assumidas pelas partes são recíprocas e interdependentes. São onerosos, pois as partes arcam com a redução do patrimônio. E, por último, são formais, já que em sua maioria devem ser escritos e registrados.
A liberdade de contratar, as transformações sociais e a evolução das relações particulares fazem com que as normas reguladoras permitam a elaboração de esquemas contratuais diversos das convenções nominais, de forma que construções contratuais lícitas, ainda que não contemplados pelo legislador, são também permitidas no universo dos contratos agrários.
Decorrentes dessa liberdade de contratar e em vista da própria autonomia de vontade das partes, surgem os contratos agrários atípicos ou inominados, os quais: “sem infringir normas legais, pela necessidade das partes contratantes e das peculiaridades de cada situação, resultam ajustes não descritos pelo legislador, e que, podem resultar da própria inércia do legislador (COELHO, 2006, p. 83).”
Nesse contexto o art. 39 do Decreto n. 59.566/66, que regulamenta a parte relativa aos contratos agrários disciplinados pelo Estatuto da Terra e pela Lei n. 4.497/66, prevê a possibilidade de serem celebrados outros contratos com modalidade diversa do arrendamento e da parceria, com observância das mesmas regras aplicáveis a estes contratos, conforme as condições estabelecidas pelo art. 38 do Regulamento.
Nesse ponto, impossível descrever as inúmeras e inesgotáveis modalidades de contratos atípicos existentes no campo agrário, todavia, serão apontados os pactos comumente utilizados, quais sejam: comodato rural; contrato do Fica; contrato de pastoreio ou invernagem; contrato roçado e leasing rural.
O comodato rural é um empréstimo gratuito de coisas infungíveis, que se perfaz pela entrega de bem não fungível ao comodatário, que deverá devolver o bem após o decurso do tempo ajustado.
Nesta modalidade existe obrigação somente ao comodatário, que deverá zelar pela coisa e restituí-la ao final do prazo convencionado ou quando exigida pelo comodante.
Assim, o comodato rural deverá observar as regras do comodato em geral (artigo 579 a 585 do Código Civil), com as particularidades do direito agrarista.
Sendo assim, um comodato rural deverá ser interpretado como contrato agrário atípico, com uma preocupação pela própria função social da propriedade rural, devendo ser interpretado como contrato agrário, interpretado como tal, sendo certo que é isso que o diferencia de um contrato de comodato comum.
O contrato do Fica se resume à uma prática de transação de gado por meio de um documento chamado de Fica, semelhante ao contrato de depósito, sendo que os animais ficam em poder do emitente por motivos variados – falta de espaço, destinação da área para outros fins – sem finalidade específica de engorda.
Assim, como o uso da propriedade não é feito diretamente pelo dono dos animais, também não se confunde o contrato do Fica com o contrato de locação. Todavia, indiscutível a semelhança com o contrato de depósito, pois um dos contratantes recebe os animais para guarda até que o outro o reclame, com estipulação de obrigações para ambas as partes, mas que também envolve atividade agrária e imóvel agrário e, por isso, é um contrato agrarista atípico.
O contrato pastoreio ou invernagem tem como principal característica a brevidade, eis que não ultrapassa um ano, sendo comum, na maioria das vezes, nos períodos entre safras e de inverno.
Embora semelhante com o contrato do Fica, com esse não se confunde, haja vista que no pastoreio existe a obrigação do proprietário da terra na alimentação e engorda dos animais, sendo o pagamento realizado em retribuição ao tempo de permanência dos animais para engorda no campo.
O contrato roçado é comum em todo o Brasil, pois consiste na entrega por período entre safras da propriedade rural para que a parte que a recebe possa usar a terra e ao término de seu uso entregue-a limpa e preparada para a próxima lavoura a ser feita pelo proprietário.
Não se confunde contrato roçado com arrendamento, pois aquele que recebe a terra com os restos da cultura anterior, terá apenas que devolver a terra em condições para a próxima lavoura, ou seja, como retribuição de uma certa preparação, poderá ocupar a terra para os fins que desejar, respeitando os recursos naturais.
Por último, temos o leasing agrário. Nessa forma contratual um agente financeiro viabiliza o acesso ao imóvel rural facilitando os recursos financeiros para futura aquisição da propriedade.
Assim, o leasing agrário segue as regras do arrendamento mercantil e dos contratos de financiamentos em geral, mas também as regras dos contratos agrários que deverão ser consideradas, inclusive, na interpretação e proteção dos mesmos.
Desse modo, mesmo com a maior liberdade contratual das partes envolvidas nos contratos agrários atípicos, dadas as imposições legais, não é possível dizer que tais pactos possam deixar de lado as normas agraristas. Por isso com a aplicação das normas e princípios agraristas aos contratos atípicos busca-se uma harmonia, um equilíbrio entre o interesse individual e o coletivo, em observância, principalmente, as cláusulas obrigatórias aos contratos agrários.