Muito se diz sobre a aplicação
do Código de Defesa do Consumidor nas relações médico paciente, porém essa
matéria não é pacificada em nossos tribunais, pois ainda há forte divergência
quanto à natureza jurídica desta relação.
No campo médico, em
especifico, verifica-se a resistência dos profissionais da medicina em
reconhecer que a relação médico e paciente possa ser regulada pelo Código do
Consumidor, pois muitos negam trata-se de relação consumerista.
Nesse aspecto a Lei 8.078 de
11.09.1990, prevê, em seu art. 14 § 4°, a necessidade de verificação da culpa
do médico para a apuração de sua responsabilidade, trazendo a seguinte redação:
Art. 14. O fornecedor de
serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos
danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos
serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua
fruição e riscos.
§ 4º A responsabilidade
pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de
culpa.
Com isso, é possível afirmar
que a responsabilidade do médico no Código de Defesa do Consumidor, assim como
no Código Civil, é subjetiva.
Chama-se de responsabilidade
subjetiva em virtude de estar caracterizado na pessoa um aspecto volitivo
interno, ou, pelo menos, revelar-se, mesmo de uma maneira tênue, uma conduta
antijurídica.
O agente do prejuízo quer o
resultado danoso ou assume o risco de que ele ocorra, ou ainda, atua com
imprudência, negligência ou imperícia. Ocorreria, no primeiro caso, dolo e no
segundo caso, culpa.
A conduta do agende
responsável pelo dano estaria sempre viciada pela culpa. Está, assim, esse agente
obrigado a ressarcir o prejuízo quando seus atos ou fatos sejam lesivos a
direito ou interesse alheio, desde que possa ser considerado culposo o seu modo
de agir.
A teoria subjetiva fundamenta
a responsabilidade na culpa que, uma vez provada, ou em certos casos presumida,
dá ensejo a uma indenização.
Assim, caso este médico venha
futuramente a se filiar a uma clínica ou hospital, terá este responsabilidade
baseada na culpa, ao passo que a clínica ou hospital responderá de forma
objetiva, pois de acordo com o caput do art. 14 da citada lei, “O fornecedor de serviços responde independentemente
da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por
defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”
A responsabilidade do médico
tem como elemento essencial para a indenização do dano a presença do elemento
culpa em uma de suas três modalidades qual seja: negligência, imprudência ou
imperícia, segundo art. 186 do Código Civil, ou ainda, a presença do dolo.
O
artigo 186 dispõe que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência
ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito.”
A relação jurídica médico
paciente é classificada como contratual, porém, retirando-se as exceções
apontadas pela doutrina da cirurgia estética e da anestesiologia, o médico
assume obrigação de meio e não de resultado. Sendo assim, ao paciente cabe
provar a culpa ou dolo do profissional médico. Já nos casos de cirurgiões
estéticos e anestesiologistas, cabe ao médico o ônus probatório da ausência de
sua responsabilidade.
A culpa médica, pelas
características de que se reveste na sua consecução, como já se afirmou, é de
difícil comprovação. Os obstáculos existentes para a comprovação de uma culpa
médica repousam, entre outros, nos seguintes fatores: natureza de
confidencialidade médico paciente, silêncio daqueles que assistem ao ato médico
ou que dele participam, aspecto demasiado técnico da maioria das culpas médicas
danosas.
Além disso, para se obter sucesso
em pleito indenizatório, resta claro e evidente que é o autor quem tem o ônus
de provar a incúria médica, conforme art. 14 § 4° do Código de Defesa do
Consumidor o qual diz que a responsabilidade dos profissionais liberais é
subjetiva, isto é, a culpa precisa estar configurada em quaisquer de suas
modalidades qual seja: negligência, imprudência ou imperícia. Todavia pacientes
sofrem constantemente agressões veladas, praticadas por profissionais
despreparados para trabalhar com diversos sentimentos humanos, variando este
tipo de comportamento entre a estupidez e a brutalidade. Tais fatos são
perceptíveis com um simples repassar de olhos em notícias veiculadas nos
diversos meios de comunicação atual.
Muitos magistrados são leigos
na matéria, não possuem condições para apreciar de forma correta uma culpa
médica, vindo a recorrer a periciais para fundamentarem as suas decisões.
A grande problemática sobre a
inversão do ônus da prova é que em sendo o magistrado leigo em medicina, e
dadas as características essencialmente técnicas da investigação probatória, a perícia
somente se torna dispensável por exceção.
Deve-se, portanto, contar com
uma perícia efetivamente bem feita e que, principalmente, o profissional
designado para aquele ato, seja cumpridor de seu encargo de forma imparcial
quanto à conduta profissional do colega.
Ademais, aqueles que trabalham
em uma sala de cirurgia, sabem que este é um lugar onde a lei do silêncio
impera e onde os vínculos de amizades são profundos, predominando quase sempre
uma terrível hierarquia.
Assim, se as partes
participam, tanto quanto possível, da atividade probatória, desapegando-se da
visão mais rigorosa da repartição do ônus da prova e levam aos autos todos os
subsídios que possam proporcionar ao julgador a correta reconstituição dos
fatos, para posterior manifestação sobre o resultado obtido, estarão
contribuindo em muito com uma efetiva prestação jurisdicional.
Algo que deve ficar bem claro
é que a inversão do ônus da prova prevista no Código de Defesa do Consumidor
não constitui um privilégio a facilitar um direito ao consumidor, neste caso
paciente, de vencer mais facilmente uma eventual demanda em face do fornecedor
médico.
O mecanismo da inversão do ônus da prova disposto no Código de Defesa do Consumidor está não somente para propiciar uma melhor defesa de tais direitos em juízo, mas também para fazer valer efetivamente o principio da igualdade.
Rotieh Machado Carvalho
Sócio-Advogado